sexta-feira, 31 de agosto de 2012

XXII




O LIBERTINO PASSEIA POR BRAGA, A IDOLÁTRICA, O SEU ESPLENDOR. Uma tarde em Braga, sem fazer nada, a explorar o inexistente e a estudar as massas. 


Conjunto na Rua Francisco Sanches em Braga (1984), Agostinho RIcca

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

4. Bélgica


Percorro o teu corpo com a minha boca.
Em pensamento sou o único que rema na outra direcção, eu que vi a morte, a cadeira e a mesa. Eu que vi o pão podre – verde, verde, verde. 
Beijo cada canto, cada esquina. Digo-te ao ouvido em voz vermelha: eu vi o pão podre na mesa da Morte.
Continuo a viagem, percorrendo cada linha que te define, cada esquina que marca a diferença.
Há montanhas geladas nos teus olhos e sinto nas tuas mãos os anos e anos de mantas quentes.
Agora percorro o teu corpo com outro sabor na língua, com espinhos, com gosto ácido.
Vais-te embora e em mim fica o sonho de cortar uma fatia desse pão, leva-lo à boca e beijar-te.

XXI























Ivan Zulueta - Obsesión Winsor McCay (2001)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

XX












Mudam-se os tempos, mudam-se os palácios!
Inicio do século XX, Quartel de Infantaria 14 de Guimarães
A partir de 1933, Paço dos Duques de Guimarães e Residência Oficial do Presidente da República

XIX


















inicio do século XX, Campus de La Plaine, Bruxelas

domingo, 29 de julho de 2012

XVIII


















La Pasionaria nas Cortes Espanholas, 1979

XVII

Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. É também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras - e é novo pra mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão.




Clarice Lispector, Água Viva (1973)

XVI















Etangs d'Ixelles, inicio do século XX

XV























Dona Isabel, Princesa Imperial do Brasil (1887)

terça-feira, 24 de julho de 2012

apontamentos para "Parto" 1


Que saudades tinha da praia, da rebentação das ondas e da areia entre os dedos dos pés. Como senti falta desta calma aparente de crianças a berrar ao chutarem uma bola, desta calma fingida no meio do caos. O mundo cai a cada instante do teu respirar, como uma pedra num charco. O mundo cai e está tudo dito. A praia – horizonte desta minha saudade – expande-se a cada instante perante os teus olhos, e eu? Deito-me na toalha de tronco nu a tentar ganhar alguma cor no corpo. O sol queima-me a pele a passos largos enquanto dormes.  A tua pele bronzeada. Neste mar de saudade em que cada página é areia adquirida, o mundo cai. O nosso mundo cai enquanto ao sol nos beijamos. Que recordações são estas que bebem deste mar salgado? Perguntas: tens medo do útero, dessa matéria maternal de sangue e pus? Respondo-te em silêncio, ou melhor, deixo que o som da rebentação te conte a história do meu parto de água salgada, algas e espuma branca. Encontramo-nos na praia, onde a areia se mistura na água salgada. Encontramo-nos num só corpo. Gostava de ser simples como todos estes elementos e corpos que se misturam. As coisas simples são mais felizes e têm mais vida. Mesmo na praia estou morto. Pergunto-me em que momento deixei de viver neste mar de banalidade, em que momento peguei na arma, apontei á cabeça e puxei o gatilho com a certeza que só um homem tem.

terça-feira, 10 de julho de 2012

quinta-feira, 31 de maio de 2012

terça-feira, 22 de maio de 2012

(2) o primeiro


Como se o mundo se incendiasse

nós
agarrados não tínhamos presente
não desejávamos futuro

éramos apenas nós
no frio da noite
clandestina
sem luz, sem clarão

sem rumo

pés sobre línguas húmidas,
desejos,
entre a folhagem
da selva de cimento

nós
que desejámos ser homens
na razão e no corpo
beijávamo-nos,

incendiávamos o mundo.

VIII















Vista do Bloco das Águas Livres de Nuno Teotónio Pereira (1959), Lisboa

segunda-feira, 21 de maio de 2012

VII


















Amsterdão no início do século 

6.


As luzes dos foguetes extinguem-se
no teu rosto e eu
tenho que te ver só mais um dia
para dizer que valeu a pena
o sacrifício

o maço de tabaco.

Tenho que ser teu para
que nada me possa matar.

As luzes da cidade vão
afogar-se ao teu rosto e eu
tenho que fazer-me teu
só mais uma noite.

A noite
que sangra em mim,
por ti,
porque um dia

já não serás meu.

2009 (?)

Parvis














Parvis de Notre-Dame de Laeken, Bruxelles (2011)

VI













Pezo Von Ellrichshausen, Arco House (2010), Chile

sábado, 19 de maio de 2012

(dez)


Deambulamos pela rua de mão dada. De dez em dez minutos olhas para mim com aqueles olhos que me tiram da escuridão. Dizes-me baixinho: eu amo-te. E assim continuo de mão dada e com um sorriso curto, um sorriso de quem sabe que o amor é visita frequente.
Tu: amo-te e assim quero continuar.
Nem que o dia não tenha amanhã, eu quero acordar contigo ao meu lado. Continuas como olhar ritmado, continuo a sorrir. A sorrir teimosamente para o vazio. 
Uma ideia: um dia tudo isto acaba e que é feito de mim? Volto de novo para a sarjeta à procura de outro como tu? Como mesmo cabelo, os mesmos olhos brilhantes, a mesma boca carnuda.  A música bate levemente, cria a moldura para esta janela, para o nada.
Fazes-me falta. 
A música bate-me levemente e eu
ponho-me de joelhos, como se tu fosses voltar para esta casa onde nunca estiveste. Retomando a ideia: um dia tudo isto acaba e eu não existo mais, deixo de ter espelhos. Mostro-te como é possível cometer pequenos crimes mesmo fechado em casa, sem sair da cama. Pela noite dentro conto o tempo em que me fecho em copas, conto o tempo que não me beijas, que não me tocas, que não fazes amor comigo. Do meu ponto de vista, se é que tenho um, tudo isto é inabitável, sem tecto e sem chão. A solidão deveria ser pena capital, mas que fiz eu de tão errado?

Bruxelas, Dezembro de 2011

V
















Luis Buñuel e Salvador Dalí, L'Age D'or (1930)

IV







































Sergei Eisenstein, Que Viva Mexico! (1932)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

III


II

























Lady on a bus, Diane Arbus (1956)

I

Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me fez ouvir o primeiro tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina - porquê eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.


Clarice Lispector,  "Mineirinho"

Aforismo 1

Só existe estado por falta de uma massa culta e com consciência social. "A minha liberdade termina quando entra na do outro" - devia estar no nosso sangue para que assim conseguisse-mos viver sem depender de ninguém, apenas de Deus que é a unidade de todos nós e do meu corpo com a unidade dos tempos.

5

Quando o meu corpo vai corre e treme
Sinto que nada nem ninguém me para
Quando a noite aperta e eu sozinho no meio da multidão
Sem nada nem ninguém fechado numa bolha de ar
Sinto que nada nem ninguém me para

Aquelas Janelas

Por janelas te vi por grades de metal grosso
tive-te em sonhos terrivelmente privados
nunca te toquei apenas de olhos fechados
fui teu num nada terreno e carnal
pertenci-te em sonhos e desejos
apenas em sonhos foste meu
nunca na crua realidade nem à incendiária luz do diz
nunca fui teu em pleno nem a metade
os dias serenos e o nosso eco na ponte
foi sonho de olhos fechados
de dias serrados por grades de metal grosso