domingo, 29 de julho de 2012

XVIII


















La Pasionaria nas Cortes Espanholas, 1979

XVII

Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante. É também com o corpo todo que pinto os meus quadros e na tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a me ler perguntarás por que não me restrinjo à pintura e às minhas exposições, já que escrevo tosco e sem ordem. É que agora sinto necessidade de palavras - e é novo pra mim o que escrevo porque minha verdadeira palavra foi até agora intocada. A palavra é a minha quarta dimensão.




Clarice Lispector, Água Viva (1973)

XVI















Etangs d'Ixelles, inicio do século XX

XV























Dona Isabel, Princesa Imperial do Brasil (1887)

terça-feira, 24 de julho de 2012

apontamentos para "Parto" 1


Que saudades tinha da praia, da rebentação das ondas e da areia entre os dedos dos pés. Como senti falta desta calma aparente de crianças a berrar ao chutarem uma bola, desta calma fingida no meio do caos. O mundo cai a cada instante do teu respirar, como uma pedra num charco. O mundo cai e está tudo dito. A praia – horizonte desta minha saudade – expande-se a cada instante perante os teus olhos, e eu? Deito-me na toalha de tronco nu a tentar ganhar alguma cor no corpo. O sol queima-me a pele a passos largos enquanto dormes.  A tua pele bronzeada. Neste mar de saudade em que cada página é areia adquirida, o mundo cai. O nosso mundo cai enquanto ao sol nos beijamos. Que recordações são estas que bebem deste mar salgado? Perguntas: tens medo do útero, dessa matéria maternal de sangue e pus? Respondo-te em silêncio, ou melhor, deixo que o som da rebentação te conte a história do meu parto de água salgada, algas e espuma branca. Encontramo-nos na praia, onde a areia se mistura na água salgada. Encontramo-nos num só corpo. Gostava de ser simples como todos estes elementos e corpos que se misturam. As coisas simples são mais felizes e têm mais vida. Mesmo na praia estou morto. Pergunto-me em que momento deixei de viver neste mar de banalidade, em que momento peguei na arma, apontei á cabeça e puxei o gatilho com a certeza que só um homem tem.

terça-feira, 10 de julho de 2012