terça-feira, 24 de julho de 2012

apontamentos para "Parto" 1


Que saudades tinha da praia, da rebentação das ondas e da areia entre os dedos dos pés. Como senti falta desta calma aparente de crianças a berrar ao chutarem uma bola, desta calma fingida no meio do caos. O mundo cai a cada instante do teu respirar, como uma pedra num charco. O mundo cai e está tudo dito. A praia – horizonte desta minha saudade – expande-se a cada instante perante os teus olhos, e eu? Deito-me na toalha de tronco nu a tentar ganhar alguma cor no corpo. O sol queima-me a pele a passos largos enquanto dormes.  A tua pele bronzeada. Neste mar de saudade em que cada página é areia adquirida, o mundo cai. O nosso mundo cai enquanto ao sol nos beijamos. Que recordações são estas que bebem deste mar salgado? Perguntas: tens medo do útero, dessa matéria maternal de sangue e pus? Respondo-te em silêncio, ou melhor, deixo que o som da rebentação te conte a história do meu parto de água salgada, algas e espuma branca. Encontramo-nos na praia, onde a areia se mistura na água salgada. Encontramo-nos num só corpo. Gostava de ser simples como todos estes elementos e corpos que se misturam. As coisas simples são mais felizes e têm mais vida. Mesmo na praia estou morto. Pergunto-me em que momento deixei de viver neste mar de banalidade, em que momento peguei na arma, apontei á cabeça e puxei o gatilho com a certeza que só um homem tem.

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